Quando menciono a
possibilidade de salvar elementos da religiosidade Hindu, me refiro a
linguagens da experiência religiosa profunda. Dentre eles, esse artigo especificamente
aborda uma das maneiras do Supremo Senhor se apresentar para
Seus devotos. Ele assim o faz como uma Pessoa, o absoluto criador, preservador
e aniquilador das regiões cósmicas e universais.
Tal Pessoa Suprema nos ensina que, por
sua ação, os mundos são estabelecidos e sustentados, e continuamente transformados
dentro do processo evolutivo que contém toda Ordem. Seus ensinamentos alcançam
a percepção humana através das escrituras, do(a) mestre(a) espiritual e/ou
diretamente por iluminação transcendental.
Mas, Krishna, Vishnu ou Narayana está
além da compreensão humana meramente racional, porque é o ilimitado, que não
tem um começo nem um fim. No entanto, Ele contém em si o começo e o fim de tudo
o que é, do que existe e que está por existir.
Sendo o Senhor de todas as
manifestações da existência, Ele pode se manifestar na forma que desejar se
manifestar. Por esse motivo, existem tantas religiões, de modo que o pensamento
sectário e desrespeitoso para com a crença do próximo é fruto unicamente da
intolerância religiosa e do preconceito. Ideias preconceituosas servem a
interesses próprios, sendo mais facilmente assimiladas, de maneira acrítica e
passiva, sem refutação por argumentos racionais, pelos favoravelmente
predispostos[i].
Em detrimento de tais predisposições
humanas aos sectarismo e ao preconceito religioso, a refulgência de Krishna (Brahman)
o manifesta, sem fornecer livre acesso à Sua Pessoa Suprema (Bhagavan),
a qual contém todas as opulências. Além do que, todas as almas viventes o
contêm em seus corações (Paramatma) e, portanto, podem encontrá-lo
dentro de si mesmas. Para vivenciar a experiência com Bhagavan é preciso
alcançar a realização filosófica dEle enquanto Pessoa, a partir de quem emana o
Brahman, que está em tudo.
Reconhece-se que esse encontro com
Deus conduz a alma à iluminação (samadhi) e à liberdade dos ciclos de
nascimentos e mortes (moksha). Aquele que, mesmo ainda permanecendo
atrelado a um corpo físico, re-encontra com Krishna - a Pessoa Suprema -, e com
Ele estabelece um convívio íntimo (bhakti rasa), está situado em alinhamento
perfeito com o Corpo Divino (siddhadeha).
Tal intimidade com Deus existe em um
estágio avançado de consciência espiritual, o qual preenche a vida de Amor Puro
pelo Divino Senhor (prema). Todas essas compreensões são filosóficas,
podendo ser obtidas a partir do convívio com alguém que as vivenciou
filosoficamente e/ou diretamente por autorrealização, sendo o segundo processo
muito raro na época atual, quando a sociedade se encontra em um estado
profundamente materialista e positivista[ii],[iii].
[i]
SOUZA, G. M.; FICAGNA, L. R. D. Do preconceito à intolerância religiosa. Revista
EDUC – Faculdade de Dique de Caxias, v. 3, n. 2, p. 54-74, 2016.
[ii]
Trata-se de um estado de acumulação de capital, pautado pelo materialismo
pragmático, o qual se desenvolveu sob forte influência de René Descartes
(1596-1650) e Augusto Comte (1798-1857). Segundo a lógica apresentada por
Moraes-Júnior, Christ e Celanti (s/d), para Descartes procedimentos de indução
e dedução científicas substituíram a religião na explicação do mundo, a partir
do que, as verdades das coisas se tornam tão completas e gerais, a ponto de não
ficar nada a dizer. Em complemento a essas ideias, Comte defende a tese da
evolução do ser humano em três estágios, os dois primeiros teriam sido o
Teológico e o Metafísico, provisórios e preparatórios para o terceiro estágio,
o Positivista. Ele coloca os estágios iniciais como sendo, respectivamente, de
busca pelo “sobrenatural” e de preocupação com “questões insolúveis e
desnecessárias”, como momentos iniciais da consciência humana, que atingiria um
estágio definitivo – o Positivo. Em tal estágio, “a razão emancipada da
imaginação não se preocupa mais com as pesquisas absolutas e metafísicas, mas
com observação, única base possível dos conhecimentos realmente acessíveis,
criteriosamente adaptados às nossas necessidades efetivas, segundo Comte”
(MORAES-JUNIOR; CHRIST; CELANTI, s/d, p. 9). Portanto, são tais pensamentos
fundantes do capitalismo materialista em que vivemos atualmente, quando muitos
tendem a desmerecer o conhecimento sensível e espiritual da existência.
[iii]
MORAES-JUNIOR, L. R.; CHRIST, F. M.; CELANTI, R. E. A globalização descartável:
as principais noções que fundamentam a racionalidade do viver na Era do
Capital. [s/d]. Disponível em: http://www.ienomat.com.br/revistas/pedagogia/journals/1/articles/178/public/178-570-1-PB.pdf.
Acessado em: 19 dez 2022.
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